Projeto Justiça nas Escolas
Primeira Edição
Autora: Ana Beatriz Barbosa Silva
Conselho Nacional de Justiça - CNJ
CARTILHA BULLYING PROFESSORES E PROFISSIONAIS
DA ESCOLA
1. O QUE É BULLYING?
O bullying é um termo ainda pouco conhecido do grande
público. De origem inglesa e sem tradução ainda no Brasil, é utilizado para
qualificar comportamentos agressivos no âmbito escolar, praticados tanto por
meninos quanto por meninas. Os atos de violência (física ou não) ocorrem de
forma intencional e repetitiva contra um ou mais alunos que se encontram
impossibilitados de fazer frente às agressões sofridas. Tais comportamentos não
apresentam motivações específicas ou justificáveis. Em última instância,
significa dizer que, de forma “natural”, os mais fortes utilizam os mais
frágeis como meros objetos de diversão, prazer e poder, com o intuito de
maltratar, intimidar, humilhar e amedrontar suas vítimas.
2. QUAIS SÃO AS FORMAS DE BULLYING? NORMALMENTE, EXISTEM
MAIS MENINOS OU MENINAS QUE COMETEM BULLYING?
As formas de bullying são:
• Verbal (insultar,
ofender, falar mal, colocar apelidos pejorativos, “zoar”)
• Física e material
(bater, empurrar, beliscar, roubar, furtar ou destruir pertences da vítima)
• Psicológica e moral
(humilhar, excluir, discriminar, chantagear, intimidar, difamar)
• Sexual (abusar,
violentar, assediar, insinuar)
• Virtual ou Ciberbullying
(bullying realizado por meio de ferramentas tecnológicas: celulares,
filmadoras, internet etc.)
Estudos
revelam um pequeno predomínio dos meninos sobre as meninas. No entanto, por
serem mais agressivos e utilizarem a força física, as atitudes dos meninos são
mais visíveis. Já as meninas costumam praticar bullying mais na base de
intrigas, fofocas e isolamento das colegas. Podem, com isso, passar
despercebidas, tanto na escola quanto no ambiente doméstico.
3. EXISTE ALGUMA FORMA DE BULLYING QUE SEJA MAIS MALÉFICA?
O CIBERBULLYING É PIOR DO QUE O BULLYING TRADICIONAL?
Uma das formas mais
agressivas de bullying, que ganha cada vez mais espaços sem fronteiras é
o ciberbullying ou bullying virtual. Os ataques ocorrem por meio
de ferramentas tecnológicas como celulares, filmadoras, máquinas fotográficas,
internet e seus recursos (e-mails, sites de relacionamentos, vídeos). Além de a
propagação das difamações ser praticamente instantânea o efeito multiplicador
do sofrimento das vítimas é imensurável. O ciberbullying extrapola, em
muito, os muros das escolas e expõe a vítima ao escárnio público. Os
praticantes desse modo de perversidade também se valem do anonimato e, sem
nenhum constrangimento, atingem a vítima da forma mais vil possível. Traumas e
consequências advindos do bullying virtual são dramáticos.
4. QUAL O CRITÉRIO ADOTADO PELOS AGRESSORES PARA A ESCOLHA DA
VÍTIMA?
Os bullies
(agressores) escolhem os alunos que estão em franca desigualdade de poder, seja
por situação socioeconômica, situação de idade, de porte físico ou até porque
numericamente estão desfavoráveis. Além disso, as vítimas, de forma geral, já
apresentam algo que destoa do grupo (são tímidas, introspectivas, nerds, muito
magras; são de credo, raça ou orientação sexual diferente etc.). Este fato por
si só já as torna pessoas com baixa autoestima e, portanto, são mais
vulneráveis aos ofensores. Não há justificativas plausíveis para a escolha, mas
certamente os alvos são aqueles que não conseguem fazer frente às agressões
sofridas.
5. QUAIS AS PRINCIPAIS RAZÕES QUE LEVAM OS JOVENS A SEREM OS
AGRESSORES?
É muito importante
que os responsáveis pelos processos educacionais identifiquem com qual tipo de
agressor estão lidando, uma vez que existem motivações diferenciadas:
1. Muitos se comportam
assim por uma nítida falta de limites em seus processos educacionais no
contexto familiar.9
2. Outros carecem de
um modelo de educação que seja capaz de associar a autorrealização com
atitudes socialmente produtivas e solidárias. Tais agressores procuram nas
ações egoístas e maldosas um meio de adquirir poder e status, e reproduzem os
modelos domésticos na sociedade.
3. Existem ainda
aqueles que vivenciam dificuldades momentâneas, como a separação traumática dos
pais, ausência de recursos financeiros, doenças na família etc. A violência
praticada por esses jovens é um fato novo em seu modo de agir e, portanto,
circunstancial.
4. E, por fim, nos
deparamos com a minoria dos opressores, porém a mais perversa. Trata-se de
crianças ou adolescentes que apresentam a transgressão como base estrutural de
suas personalidades. Falta-lhes o sentimento essencial para o exercício do
altruísmo: a empatia.
6. QUAIS SÃO OS PRINCIPAIS PROBLEMAS QUE UMA VÍTIMA DE BULLYING
PODE ENFRENTAR NA ESCOLA E AO LONGO DA VIDA?
As consequências
são as mais variadas possíveis e dependem muito de cada indivíduo, da sua
estrutura, de vivências, de predisposição genética, da forma e da intensidade
das agressões. No entanto, todas as vítimas, sem exceção, sofrem com os ataques
de bullying (em maior ou menor proporção). Muitas levarão marcas
profundas provenientes das agressões para a vida adulta, e necessitarão de
apoio psiquiátrico e/ou psicológico para a superação do problema.
Os problemas mais
comuns são: desinteresse pela escola; problemas psicossomáticos; problemas
comportamentais e psíquicos como transtorno do pânico, depressão, anorexia e
bulimia, fobia escolar, fobia social, ansiedade generalizada, entre outros. O bullying
também pode agravar problemas preexistentes, devido ao tempo prolongado de
estresse a que a vítima é submetida. Em casos mais graves, podem-se observar
quadros de esquizofrenia, homicídio e suicídio.10
7. COMO PERCEBER
QUANDO UMA CRIANÇA OU ADOLESCENTE ESTÁ SOFRENDO BULLYING? QUAL O COMPORTAMENTO
TÍPICO DESSES JOVENS?
As informações
sobre o comportamento das vítimas devem incluir os diversos ambientes que elas
frequentam. Nos casos de bullying é fundamental que os pais e os
profissionais da escola atentem especialmente para os seguintes sinais:
Na Escola:
No recreio
encontram-se isoladas do grupo, ou perto de alguns adultos que possam
protegê-las; na sala de aula apresentam postura retraída, faltas frequentes às
aulas, mostram-se comumente tristes, deprimidas ou aflitas; nos jogos ou
atividades em grupo sempre são as últimas a serem escolhidas ou são excluídas;
aos poucos vão se desinteressando das atividades e tarefas escolares; e em
casos mais dramáticos apresentam hematomas, arranhões, cortes, roupas
danificadas ou rasgadas.
Em Casa:
Frequentemente se
queixam de dores de cabeça, enjoo, dor de estômago, tonturas, vômitos, perda
de apetite, insônia. Todos esses sintomas tendem a ser mais intensos no período
que antecede o horário de as vítimas entrarem na escola. Mudanças frequentes e
intensas de estado de humor, com explosões repentinas de irritação ou raiva.
Geralmente elas não têm amigos ou, quando têm são bem poucos; existe uma
escassez de telefonemas, e-mails, torpedos, convites para festas, passeios ou
viagens com o grupo escolar. Passam a gastar mais dinheiro do que o habitual na
cantina ou com a compra de objetos diversos com o intuito de presentear os
outros. Apresentam diversas desculpas (inclusive doenças físicas) para faltar às
aulas.11
8. E O CONTRÁRIO? O
QUE SE PODE NOTAR NO COMPORTAMENTO DE UM PRATICANTE DE BULLYING?
Na escola os
bullies (agressores) fazem brincadeiras de mau gosto, gozações, colocam
apelidos pejorativos, difamam, ameaçam, constrangem e menosprezam alguns alunos.
Furtam ou roubam dinheiro, lanches e pertences de outros estudantes. Costumam
ser populares na escola e estão sempre enturmados. Divertem-se à custa do
sofrimento alheio.
No ambiente
doméstico, mantêm atitudes desafiadoras e agressivas em relação aos familiares.
São arrogantes no agir,no falar e no vestir, demonstrando superioridade.
Manipulam pessoas para se safar das confusões em que se envolveram. Costumam
voltar da escola com objetos ou dinheiro que não possuíam. Muitos agressores
mentem, de forma convincente, e negam as reclamações da escola, dos irmãos ou
dos empregados domésticos.
9. O FENÔMENO BULLYING COMEÇA EM CASA?
Muitas vezes o
fenômeno começa em casa. Entretanto, para que os filhos possam ser mais
empáticos e possam agir com respeito ao próximo, é necessário primeiro a
revisão do que ocorre dentro de casa. Os pais, muitas vezes, não questionam
suas próprias condutas e valores, eximindo-se da responsabilidade de
educadores. O exemplo dentro de casa é fundamental. O ensinamento de ética,
solidariedade e altruísmo inicia ainda no berço e se estende para o âmbito
escolar, onde as crianças e adolescentes passarão grande parte do seu tempo.
10. O BULLYING EXISTE MAIS NAS ESCOLAS PÚBLICAS OU NAS
PARTICULARES?
O bullying existe em todas as
escolas, o grande diferencial entre elas é a postura que cada uma tomará frente
aos casos de bullying. Por incrível que pareça os estudos apontam para
uma postura mais efetiva contra o bullying entre as escolas públicas,
que já contam com uma orientação mais padronizada perante os casos (acionamento
dos Conselhos Tutelares, Delegacias da Criança e do Adolescente etc.). 12
11. O ALUNO VÍTIMA DE BULLYING NORMALMENTE CONTA
AOS PAIS E PROFESSORES O QUE ESTÁ ACONTECENDO?
As vítimas de bullying
se tornam reféns do jogo do poder instituído pelos agressores. Raramente
elas pedem ajuda às autoridades escolares ou aos pais. Agem assim, dominadas
pela falsa crença de que essa postura é capaz de evitar possíveis retaliações
dos agressores e por acreditarem que, ao sofrerem sozinhos e calados, pouparão
seus pais da decepção de ter um filho frágil, covarde e não popular na escola.
12. QUAL É O PAPEL DA ESCOLA PARA EVITAR O BULLYING ESCOLAR?
A escola é
corresponsável nos casos de bullying, pois é lá onde os comportamentos
agressivos e transgressores se evidenciam ou se agravam na maioria das vezes. A
direção da escola (como autoridade máxima da instituição) deve acionar os pais,
os Conselhos Tutelares, os órgãos de proteção à criança e ao adolescente etc.
Caso não o faça poderá ser responsabilizada por omissão. Em situações que
envolvam atos infracionais (ou ilícitos) a escola também tem o dever de fazer a
ocorrência policial. Dessa forma, os fatos podem ser devidamente apurados pelas
autoridades competentes e os culpados responsabilizados. Tais procedimentos
evitam a impunidade e inibem o crescimento da violência e da criminalidade
infantojuvenil.
13. COMO É O BULLYING NAS ESCOLAS BRASILEIRAS, EM
COMPARAÇÃO A OUTRAS, DOS ESTADOS UNIDOS OU DA EUROPA? ALGUMA CARACTERÍSTICA
ESPECÍFICA?
Em linhas gerais o bullying
é um fenômeno universal e democrático, pois acontece em todas as partes do
mundo onde existem relações humanas e onde a vida escolar faz parte do
cotidiano dos jovens. Alguns países, no entanto, apresentam características
peculiares na manifestação desse fenômeno: nos EUA, o bullying tende a
apresentar-se de forma mais grave com casos de homicídios coletivos, e isso se
deve à infeliz facilidade que os jovens americanos possuem de terem acesso as
armas de fogo. Nos países da Europa, o 13
bullying tende a se
manifestar na forma de segregação social a até da xenofobia. No Brasil,
observam-se manifestações semelhantes às dos demais países, mas com
peculiaridades locais: o uso de violência com armas brancas ainda é maior que a
exercida com armas de fogo, uma vez que o acesso a elas ainda é restrito a
ambientes sociais dominados pelo narcotráfico. A violência na forma de
descriminação e segregação aparece mais em escolas particulares de alto poder
aquisitivo, onde os descendentes nordestinos, ainda que economicamente
favorecidos, costumam sofrer discriminação em função de seus hábitos, sotaques
ou expressões idiomáticas típicas. Por esses aspectos é necessário sempre analisar,
de maneira individualizada, todos os comportamentos de bullying, pois as
suas formas diversas podem sinalizar com mais precisão as possíveis ações para
a redução dessas variadas expressões da violência entre estudantes.
14. QUAL A INFLUÊNCIA DA SOCIEDADE ATUAL NESTE TIPO DE
COMPORTAMENTO?
O individualismo,
cultura dos tempos modernos, propiciou essa prática, em que o ter é muito mais
valorizado que o ser, com distorções absurdas de valores éticos. Vive-se em
tempos velozes, com grandes mudanças em todas as esferas sociais. Nesse
contexto, a educação tanto no lar quanto na escola se tornou rapidamente
ultrapassada, confusa, sem parâmetros ou limites. Os pais passaram a ser
permissivos em excesso e os filhos cada vez mais exigentes, egocêntricos. As
crianças tendem a se comportar em sociedade de acordo com os modelos
domésticos. Muitos deles não se preocupam com as regras sociais, não refletem
sobre a necessidade delas no convívio coletivo e, nem sequer se preocupam com
as consequências dos seus atos transgressores. Cabe à sociedade como um todo
transmitir às novas gerações valores educacionais mais éticos e responsáveis.
Afinal, são estes jovens que estão delineando o que a sociedade será daqui em
diante. Auxiliá-los e conduzi-los na construção de uma sociedade mais justa e
menos violenta, é obrigação de todos.14
15. COMO OS PAIS E
PROFESSORES PODEM AJUDAR AS VÍTIMAS DE BULLYING A SUPERAR O
SOFRIMENTO?
A identificação precoce
do bullying pelos responsáveis (pais e professores) é de suma
importância. As crianças normalmente não relatam o sofrimento vivenciado na
escola, por medo de represálias e por vergonha. A observação dos pais sobre o
comportamento dos filhos é fundamental, bem como o diálogo franco entre eles.
Os pais não devem hesitar em buscar ajuda de profissionais da área de saúde
mental, para que seus filhos possam superar traumas e transtornos psíquicos.
Outro aspecto de valor inestimável é a
percepção do talento inato desses jovens. Os adultos devem sempre estimulá-los
e procurar métodos eficazes para que essas habilidades possam resgatar sua
autoestima, bem como construir sua identidade social na forma de uma cidadania
plena.
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