A força do coletivo
Para que o ensino seja inclusivo, deve haver envolvimento dos familiares, da comunidade e da escola em todas as etapas, até mesmo na formulação e aplicação de políticas públicas. Conheça os principais pilares da escola que inclui
Por Augusto Dutra Galery*/ Imagens: Divulgação
POLÍTICAS PÚBLICAS
EM PRIMEIRO LUGAR, é preciso que as políticas públicas estejam em
consonância com os princípios da educação especial na perspectiva da
educação inclusiva. As políticas públicas referem-se a todos os aspectos
de criação e gestão de diretrizes e princípios normativos que se
relacionam com o tema em um determinado país ou território. Elas
abrangem as instâncias legislativa, executiva e judiciária. Esses
princípios e diretrizes são sistematizados em programas, ações, leis e
outras medidas.
Elenir, da Secretaria de Educação de São Bernardo (SP): infraestrutura é uma das preocupações na educação inclusiva |
No Brasil, dois documentos devem sempre estar em mente quando
são pensadas as políticas públicas regionais para a inclusão na
educação. O primeiro é a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo,
aprovados por meio do Decreto Legislativo no 186, de 9 de julho de 2008
com status de emenda constitucional, cujo artigo 24 se dedica à
educação. O segundo é a Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Um terceiro documento norteador importante é a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva.
Professores regentes atuando com os profissionais de Atendimento Educacional Especializado no planejamento semanal pode ajudar na promoção de didáticas mais inclusivas
Considerando esses três documentos, as secretarias estaduais e
municipais têm autonomia para propor diferentes medidas para incentivar a
inclusão na educação adequadas à cultura e às necessidades de suas
regiões. Em São Bernardo do Campo (SP), por exemplo, definiu-se o
transporte como uma prioridade da política municipal para garantir a
acessibilidade dos estudantes com deficiência às escolas. Isso aconteceu
porque, durante uma consulta pública à cidade, que envolveu pessoas com
deficiência, familiares, instituições especializadas e escolas,
percebeu-se que a qualidade do transporte era essencial para se permitir
a acessibilidade dos estudantes. A Secretaria investiu, então, em novos
veículos adaptados e no treinamento de motoristas e monitores que
acompanham esses alunos, para garantir que o transporte escolar seja
parte da educação e contribua para uma relação positiva entre as
famílias e as escolas.
Pais de Maracanaú (CE): preocupação coletiva e interação com escola e orgãos públicos resulta em bons frutos |
"A Secretaria tem duas preocupações: a infraestrutura - o carro
adequado, com acessibilidade, pensando muito na segurança das crianças -
e tem uma outra preocupação que também é importante: é a questão das
relações que são constituídas nesse caminho entre escola e residência da
criança." A observação é de Elenir Freitas, chefe da Seção de
Assistência Escolar da SME de São Bernardo.
"Nesse sentido, a gente trabalha muito com as monitoras e
motoristas, porque entendemos que eles têm um papel fundamental na
qualidade dessa relação. Para isso, temos formações no sentido de estar
preparando monitoras e professores para que essa relação que se
constitui seja a melhor possível. Realizamos cursos de LIBRAS para todos
os motoristas e monitores que trabalham com pessoas com deficiência
auditiva. Fizemos encontros com terapeutas ocupacionais para elas
orientarem como lidar melhor com essas crianças em suas
especificidades."
É preciso pensar além das instâncias que tradicionalmente fazem parte do processo educacional de um município para garantir acessibilidade, permanência e qualidade da educação para todos nas escolas
O PAPEL DAS ESCOLAS
EM RELAÇÃO ÀS ESCOLAS, duas dimensões importantes precisam ser pensadas: a gestão escolar e as estratégias pedagógicas.
Por gestão escolar podemos entender as diversas etapas de
planejamento e desenvolvimento das atividades da direção de uma
instituição de ensino. Abrange a construção dos projetos
político-pedagógicos, a elaboração dos planos de ação, a gestão dos
processos internos da instituição e de suas relações com a comunidade.
As atividades de coordenação pedagógica podem ser pensadas
dentro da dimensão da gestão escolar. Na escola Helena Zanfelici, em São
Bernardo do Campo, a coordenação pedagógica busca auxiliar as
professoras da educação infantil, construindo os parâmetros de avaliação
que devem ser acompanhados por eles. Camila Leonel, coordenadora
pedagógica, conta que o processo de definição dos itens "observáveis" de
avaliação, que deveriam ser registrados, foi realizado em conjunto com
os professores.
"Essa construção[coletiva] favoreceu bastante esse relatório,
porque elas mesmas [as professoras] já analisam as informações que eu
tenho que colocar no relatório para que eu realmente demonstre o
processo que a criança teve de aprendizagem e para o próximo professor
que receber o aluno saber de onde ele vai partir", explica Camila.
Do ponto de vista das estratégias pedagógicas, é preciso
refletir sobre as diversas etapas de planejamento e desenvolvimento das
práticas voltadas ao ensino e à aprendizagem. Abrange, entre outros, as
atividades do ensino regular, as ações destinadas ao atendimento
educacional especializado e o processo de avaliação de todos os
estudantes.
A reunião dos professores regentes com os profissionais de AEE
na hora do planejamento semanal coletivo por disciplina foi uma
estratégia que a escola José Dantas Sobrinho encontrou para promover
didáticas mais inclusivas em suas salas.
Camila, da escola Helena Zanfelici, em São Bernardo do Campo (SP): relatórios coletivos e precisos são ponto de partida para outros professores ou séries acompanharem aprendizagem dos alunos |
Tudo começa e tudo termina com a família. A qualidade das relações estabelecidas entre a escola e as famílias dos educandos precisa ser posta em discussão
"Aqui no município, o planejamento passou a ser por disciplina.
Então, o que eu faço? Eu vou até esses professores da disciplina
daquele dia ou eles vêm até a minha sala. A gente vê se tem um aluno
incluído na sala desses professores e nós vamos ver que conteúdo eles
estão planejando naquela semana; quais as modificações que a gente pode
fazer para ele poder fazer a acessibilidade pedagógica lá na sala de
aula, juntamente com o grupo." Quem comenta é Regina da Silva,
profissional de AEE da escola.
Os professores que contam com alunos com deficiência auditiva
na sala também utilizam os intérpretes de LIBRAS para fazer seu
planejamento de aula, de forma a tornar o conteúdo o mais visual
possível.
Para saber mais - O caso da Escola José Dantas Sobrinho está disponível no site do Projeto Diversa, no endereço http://www.diversa.org.br/ - Para conhecer melhor as políticas públicas da cidade de São Bernardo e as estratégias da escola Helena Zanfelici, acesse http://www.diversa.org.br/ - Conheça a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo no link http://www.planalto.gov.br/ - Entenda a Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional acessando http://www.planalto.gov.br/ - Para ter acesso à Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva visite o site http://portal.mec.gov.br/ |
ALÉM DOS MUROS
ATÉ AQUI, NOS REFERIMOS DIRETAMENTE às instâncias que
tradicionalmente fazem parte do processo educacional de um município ou
Estado. Mas é preciso se pensar mais amplamente para garantir
acessibilidade, permanência e qualidade da educação para todos nas
escolas públicas. Faz-se necessário refletir sobre as relações
estabelecidas entre a escola e os atores externos que atuam para dar
apoio aos processos de educação inclusiva. Esses são os parceiros do
processo de inclusão que podem ser pessoas físicas ou jurídicas,
públicas ou privadas, e abrangem as áreas da educação especial, saúde,
educação não-formal, assistência social e outros.
Como a história de Cláudia, de Maracanaú, deixa claro, no
entanto, tudo começa e tudo termina com a família. A qualidade das
relações estabelecidas entre a escola e as famílias dos educandos
precisa ser posta em discussão. Essa relação abrange o envolvimento da
família com o planejamento e o desenvolvimento das atividades escolares e
contempla tanto as relações que favorecem a educação inclusiva, como as
situações de conflito e resistência. Às famílias cabe a
responsabilidade do controle social sobre as políticas e práticas das
escolas e secretarias de educação.
* Augusto Dutra Galery, pesquisador do
Instituto Rodrigo Mendes e coordenador do projeto Diversa, é psicólogo,
mestre em administração, doutorando em Psicologia Social e especialista
em Sociedade Inclusiva.
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